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segunda-feira, 18 de maio de 2015

Bloqueios


Organizado por: Lucas Paiva
(Revisado por: Leandro Rocha)



Definição:


A circulação atmosférica de latitudes médias em médios e altos níveis é caracterizada por um escoamento zonal de oeste, que favorece o deslocamento para leste de sistemas sinóticos (ex. frentes frias e ciclones).
Esta circulação é interrompida pela formação em larga escala de um anticiclone anômalo semi-estacionário, em torno de 60S (Mendes et al., 2005), que persiste por vários dias, produzindo um brusco desvio dos sistemas transientes e causando impactos na precipitação e temperatura, como secas na região bloqueada e enchentes no lado polar e equatorial (Knox e Hay, 1984).
Bloqueio é uma anomalia de alta pressão persistente em altos níveis em latitudes mais elevadas que o normal (que seria o cinturão de anticiclones em torno de 30º de latitude). A presença deste anticiclone faz com que o escoamento zonal de oeste de altas latitudes desvie do sistema de alta pressão gerando uma circulação na direção meridional.
O deslocamento das altas de bloqueio é relativamente lento de um dia para o outro e uma vez que a alta de bloqueio tenha sido estabelecida, ela persiste por vários dias (Sanders, 1953).

 De acordo com a American Meteorological Society, bloqueios atmosféricos são uma barreira semi-estacionária de circulação anômala de larga escala, com ventos meridionais em altos níveis, alterando os padrões dos ventos de oeste e provocando deslocamento de sistemas transientes.

A figura 1 esquematiza como ocorre a bifurcação das linhas de corrente de vento em altos níveis.

Figura 1: Representação do vento zonal em altos níveis e sua bifurcação, adquirindo orientação meridional. (fonte: MASTER-IAG)

Características e Identificação:

O direcionamento meridional dos ventos em altos níveis pode ocorrer para dois diferentes padrões de bloqueios, mostrados a seguir:
a) Dipolo: apresenta uma circulação de sentido anti-horário no lado sul e de sentido horário no lado norte (Fig. 2, painel superior).
b) Ômega: ocorre na presença de uma zona de alta pressão entre duas baixas, quando os ventos adquirem um formato da letra grega Ω (Fig. 2, painel inferior e Fig. 3). No hemisfério Sul, o padrão assemelha-se a um ômega invertido.
c) Bloqueio formado de uma crista estacionária de grande amplitude.

Figura 2: Representação dos padrões de vento para os bloqueios tipo dipolo e ômega. (retirado de Pelly, 2001)

Figura 3: Exemplo de um bloqueio do tipo Ômega sobre os Estados Unidos, em 17 de Maio de 2011. (fonte: http://thecloudonline.net/story/its-all-greek-me-current-weather-pattern-explained)


Há na literatura algumas variações nas classificações de bloqueios, como mostra a figura 4:
Figura 4: Padrões de bloqueio no Hemisfério Norte: Alta de Bloqueio (a), Baixa Desprendida (b), Bloqueio "Rex" (c), Bloqueio Ômega (d). (Fonte: http://www.goes-r.gov/users/comet/norlat/sat_features/blocking_patterns/overview.htmFonte: http://www.goes-r.gov/users/comet/norlat/sat_features/blocking_patterns/overview.htm)


Além da bifurcação dos ventos, também são características dos bloqueios um centro seco, geralmente com chuvas nas regiões de contorno, e céu claro sobre as altas pressões, possibilitando noites mais frias, principalmente durante o Inverno. Rex (1950) estabeleceu alguns dos primeiros critérios subjetivos para caracterização e identificação de um bloqueio atmosférico. O item a refere-se à gênese do sistema, enquanto que os itens b, cd e e descrevem sua dissipação (aplicados ao nível de 500 hPa).
a) a corrente zonal básica de oeste deve bifurcar, formando dois ramos;
b) cada ramo deve transportar quantidade significativa de massa;
c) o sistema de jato duplo deve estender-se no mínimo por 45° de longitude;
d) uma transição abrupta do fluxo zonal de oeste a montante para um do fluxo meridional a jusante precisa ser observada na bifurcação do escoamento;
e) o padrão deve persistir continuadamente por pelo menos dez dias.
Essas cinco diretrizes do trabalho de Rex foram aplicadas para bloqueios no Hemisfério Norte. Em 1956, Van Loon apareceu com critérios complementares, que se aplicariam para o fenômeno no Hemisfério Sul:
a) O deslocamento do sistema deve ser inferior a 25° de longitude durante sua permanência;
b) O centro da Alta deve estar localizado a pelo menos 10° ao sul da posição normal do cinturão subtropical de alta pressão;
c) Sua duração deve ser de, no mínimo, 6 dias.
Há também métodos objetivos de identificação de um bloqueio, através de índices. O Índice Zonal, definido por Lejenas (1984), baseia-se na variação da altura geopotencial em 500 hPa, entre as latitudes de 35°S e 50°S.

I(λ) = Z35°S(λ) - Z50°S(λ)

onde I é o Índice Zonal e Z é a altura geopotencial. Para que se confirme uma situação de bloqueio por esse índice, I(λ) deve ser menor que zero. Isto é, precisa haver um aumento da altura geopotencial com a latitude, durante um período de 6 dias.

 
Exemplo de aplicação do Índice Zonal:

Um diagrama de Hovmöller do Índice Zonal em 500 hPa foi publicado por Braun (2002)  para um evento de bloqueio ocorrido em Agosto de 2001 (Figura 5):


Figura 5: Evolução temporal e longitudinal do Índice Zonal em 500 hPa (Braun, 2002).

Nota-se um sinal de baixos valores de I entre os dias 31.Julho.2001 e 2.Agosto.2001 e uma região de valores negativos entre os dias 3 e 6 de Agosto, compreendidas entre 100°W e 70°W, aproximadamente. Nessa mesma região, observa-se um bloqueio de padrão dipolo na figura 6. Sua presença provoca um intenso núcleo de jato a leste do fenômeno, na latitude de 45°S, favorecendo a permanência de uma alta centrada em 30°S e 45°W.


Figura 6: Linhas de Corrente e Vento Zonal (m/s) no nível de 500 hPa. (Braun, 2002)

Outro método objetivo é o de Tibaldi e Molteni (1990), que se baseia no gradiente meridional de geopotencial. Baseado em latitudinais em torno de valores fixos, são calculados os gradientes para norte e para sul, a fim de encontrar o centro do bloqueio. A figura 7 é uma reprodução adaptada de Tibaldi (1993), mostrando os critérios para ambos os hemisférios terrestres.


Figura 7: Critérios de Tibaldi e Molteni (1990) para cálculo do Gradiente Horizontal de Geopotencial a Norte (GHGN) e Gradiente Horizontal de Geopotencial a Sul (GHGS). (adaptado de Tibaldi, 1993).

Hylke de Vries mostrou, em 2011, uma evolução mensal climatológica do Índice de Tibaldi e Molteni com dados de reanálise ERA40, no Hemisfério Norte (Figura 8). As duas manchas de menores valores do índice localizam-se sobre o Pacífico Norte e o Atlântico Norte, em regiões de altas frequências de ocorrência de bloqueios, a ser visto na figura 9.

Figura 8: Climatologia mensal de índice de Tibaldi e Molteni para o Hemisfério Norte, com dados de reanálise ERA40. (Hylke de Vries, Royal Netherlands Meteorological Institute, KNMI, 2011)


Ocorrência e Variabilidade

Outra diferença inter-hemisférica dos bloqueios está na localização e na frequência de ocorrências. Rex (1950) ilustra com a figura 9 um histograma de ocorrências do fenômeno em função da longitude no Hemisfério Norte, nas décadas de 1930 e 1940.

Figura 9 Distribuição geográfica da ocorrência de bloqueios no hemisfério norte (112 casos entre 1930 e 1940). No histograma, as colunas pretas são as modas. (Rex, 1950)

Sobre o Oceano Pacífico, nota-se uma grande quantidade de bloqueios acontecendo entre as longitudes de 180°W e 130°W e sobre o Atlântico, preferencialmente entre 30°W e 0°. Como dito anteriormente, essas regiões de maior ocorrência no HN explicam a configuração encontrada na Figura 8.

Casarin (1983) cita o trabalho de Van Loon (1956) para localizar geograficamente as ocorrências de bloqueios atmosféricos no Hemisfério Sul, como visto na figura 10.

Figura 10: Distribuição geográfica da ocorrência de bloqueios no hemisfério sul (adaptado de Casarin, 1983)

A maioria dos eventos de bloqueio ocorre, no hemisfério sul, na longitude de 40°E, juntamente com outros casos na região da América do Sul e a leste da Austrália e Nova Zelândia.

Há também variações sazonais na ocorrência de bloqueios atmosféricos. Van Loon (1956) observou um máximo de freqüência durante o fim do inverno e início da primavera, sobre os oceanos Atlântico e Pacífico, além de um número considerável de casos no outono. Ao fim da primavera e do verão e meados de inverno, os casos são mínimos. Já no Oceano Índico, os máximos de outono superam os do fim do inverno e início da primavera. Casarin (1983) pode constatar que a maioria dos casos à leste da região da Austrália (visto na Figura 10) ocorrem no verão austral. A América do Sul sofre mais com bloqueios durante o outono. Mendes et al (2005) calculou a variabilidade mensal dos dias bloqueados e das frequências de bloqueio para três regiões do globo (Figura 11) e observou altas frequências durante os meses de outono e de inverno.

Figura 11: Variabilidade mensal dos dias bloqueados (colunas) e da freqüência dos eventos de bloqueios (linhas) para: (a) Pacífico Sul, (b) Sudoeste e (c) Sudeste do Pacífico Sul. (retirado de Mendes et al., 2005)

A variabilidade interanual dos eventos de bloqueio também pode estar ligada às ocorrências dos fenômenos de El Niño e La Niña. Mendes et al. (2005) mostrou que a quantidade de eventos é maior em anos de El Niño (Figura 12) do que em anos de La Niña.




Figura 12: Variabilidade interanual do total de eventos de bloqueio para o Pacífico (a) Sudoeste e (b) Sudeste para o período de 1960 a 2000. As colunas em pontos cinza correspondem aos anos de El Niño e as colunas em preto correspondem aos anos de La Niña (Mendes et al., 2005)



Damião (2009) investigou eventuais relações entre os bloqueios e três variáveis climatológicas: anomalias de temperatura máxima, temperatura mínima e taxa de precipitação, no intervalo de 1960 a 2000. As figuras seguintes (Fig. 13  a 15) mostram os resultados do modelo HADCM3 (itens a, b e c) e da Reanálise do NCEP/NCAR (itens d, e e f).


Figura 13: Anomalias de temperatura máxima, mínima e precipitação sobre o Pacífico Sudeste (adaptado de Damião, 2009)


Figura 14: Anomalias de temperatura máxima, mínima e precipitação sobre o Atlântico Sul (adaptado de Damião, 2009)


Figura 15: Anomalias de temperatura máxima, mínima e precipitação sobre a Oceania (adaptado de Damião, 2009)

Apesar de o modelo e a reanálise responderem diferente para alguns aspectos (anomalias negativas de precipitação sobre Paraguai, Bolívia e Regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil pelo HADCM3 e anomalias positivas pela reanálise), ambos concordam com as anomalias negativas de temperaturas máximas e mínimas sobre a Austrália, bem como com as taxas de precipitação a leste do continente Oceânico, corroborando a influência dos bloqueios nas normais climatológicas desse local.



Em resumo, observa-se algumas diferenças principais nas ocorrências de bloqueios atmosféricos entre os Hemisférios Norte e Sul. A duração dos bloqueios no HS é inferior do que a observada no HN, além de serem menos frequentes e localizados em latitudes menores do que no HN.


Exemplo:

Entre os dias 21 e 24 de Novembro de 2008, a região litorânea do estado de Santa Catarina foi palco de chuvas intensas, ultrapassando 500 mm por curtos períodos e acumulados diários de 200 mm em diversas cidades, provocando enchentes. Um bloqueio atmosférico atuante sobre o Atlântico por grande parte do mês de Novembro foi responsável por esses eventos de precipitação anômala.

O bloqueio em questão estava associado a um anticiclone em superfície, centrado em 38°S e  40°W, como mostra a carta sinótica do CPTEC, de 22.11.2008, às 12Z (Figura 16). A costa de SC era atingida com ventos de NE, providenciando uma convergência de ar úmido na região. 

Figura 16: Carta sinótica de superfície (Fonte: CPTEC)

Em altitude, podemos notar um bloqueio do tipo dipolo, cuja bifurcação localiza-se aproximadamente em 40°S e 60°W, como mostra a figura 17. Pelo método do Índice Zonal, a variação da altura geopotencial entre 35°S e 50°S é negativa, como deve ser para indicar a presença de um bloqueio.

Figura 17: Carta sinótica da altura geopotencial em 500 hPa. (Fonte: CPTEC)

A figura 18 mostra o campo de Ômega em 500 hPa, com valores negativos intensos sobre a região das chuvas, corroborando a presença do vórtice ciclônico.

Figura 18: Altura geopotencial e Ômega em 500 hPa. (Fonte: CPTEC)

A persistência desse bloqueio e, consequentemente, dos ventos de NE sobre o litoral de Santa Catarina, alimentou a região com umidade e fez perpetuar os movimentos ascendentes, fazendo com que as chuvas ocorressem por mais tempo.

Exemplo para avaliação:

Caso: Previsão do modelo global GFS, na rodada das 12Z do dia 16 de Junho de 2015 para as próximas 144 horas no Leste Asiático.

A animação a seguir (figura 19) mostra o campo de geopotencial em 500 hPa e a vorticidade no mesmo nível. Considerando nessa altitude um escoamento de oeste e também nessa latitude, podemos considerar o escoamento do vento geostrófico paralelo ao das linhas de altura geopotencial. A figura mostra  uma circulação anticiclônica no meio de duas circulações ciclônicas persistindo durante toda a previsão, estando esse sistema praticamente estacionário, o que corrobora um padrão de bloqueio do tipo ômega. As características e identificação do sistemas foram satisfeitas de acordo com o post acima, verificando-se também que na área do bloqueio há inibição de formação de nuvens de precipitação, como na figura 20, onde vemos que na região da Mongólia não há previsão de chuva.


Figura 19: Altura geopotencial em 500 hPa e vorticidade (Fonte: Weather and Climate Data)


Figura 20: Precipitação acumulada nas últimas 24 horas (Fonte: Weather and Climate Data)


Referências:

American Meteorological Society: http://glossary.ametsoc.org/wiki/Blocking

Rex, D.F. Blocking action in the middle troposphere and its effect upon regional climate, Part I. Tellus, 2(3):196-211, Aug. 1950a.

Mendes, M. C. D., Trigo, R. M., Cavalcanti, I. F. A., DaCamara, C. C., 2005: Bloqueios Atmosféricos de 1960 a 2000 Sobre o Oceano Pacífico Sul: Impactos Climáticos e Mecanismos Físicos Associados. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 20, 175-190.

Casarin, D.P. Um Estudo observacional sobre os sistemas de bloqueio no Hemisfério Sul. São José dos Campos, INPE, fev. 1983. (INPE-2638-TDL/114).

Lejenas, H.; Okland,H. Characteristics of Northern Hemisphere blocking as determined from a long time series of observational data. Tellus, 35A: 350-362, 1983.

Pelly, J. L., The predictability of atmospheric blocking, Ph.D. Thesis, University of Reading, Departament of Meteorology, 2001.

Van Loon, H Blocking action in the Southern Hemisphere, Part I . Notos, 5(3):171-175, 1956.

MASTER-IAG: http://www.masterantiga.iag.usp.br/ind.php?inic=00&prod=ensino&pos=2

Wikipedia - Block: https://en.wikipedia.org/wiki/Block_(meteorology)

Boletim Climanálise CPTEC: http://climanalise.cptec.inpe.br/~rclimanl/boletim/cliesp10a/bloqueio.html
Bloqueio Atmosférico provoca enchentes no Estado de Santa Catarina: http://www.cptec.inpe.br/~rupload/docs/enchentes_SC_1108.pdf
Braun, S., Herrmann, V. N., 2002: Análise de dois casos de bloqueios ocorridos próximos à América do Sul. XII Congresso Brasileiro de Meteorologia.

Damião et al., Episódios de Bloqueios no Hemisfério Sul: Comparação Entre Reanálises do NCEP/NCAR e Modelo HADCM3, Revista Brasileira de Meteorologia, v.24, n.3, 262-275, 2009.

Satellite Feature Identification - GOES: http://www.goes-r.gov/users/comet/norlat/sat_features/blocking_patterns/overview.htm

Hylke de Vries, Royal Netherlands Meteorological Institute, KNMI, 2011)

Weather and Climate Data: http://wxmaps.org/pix/home.html


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